terça-feira, 20 de novembro de 2012

PORTUGAL NA JANELA


Renata Cruz
Portugal, país dos grandes amores, dos grandes nomes da literatura, da tradição e da modernidade - seus encantos nos deixam maravilhados. Lembro-me do dia em que sentei à beira do rio Mondego, saboreei um típico chocolate quente acompanhado de um saboroso pastel de Belém, tendo a vista magnífica do Convento de Santa Clara - a - Nova, monumento construído no século XVII. Refleti que, há muitos anos atrás, Eça de Queiroz e Camões, mesmo sendo de épocas tão distintas, ali estiveram em algum momento de suas vidas, no mesmo lugar onde eu estava.
     Monumentos históricos estão por todos os lados da cidade de Coimbra, como a Biblioteca Joanina, o Jardim da Manga, o Jardim botânico, a Sé Velha e Sé Nova, a Quinta das Lágrimas, o Convento de Santa Clara - a - Nova, lugares pertencentes à história de Portugal que fazem parte do cotidiano, de modo natural.
  Coimbra nos remete ao passado dos reis e rainhas, como na história trágica de amor representada no Jardim da Quinta das Lágrimas, que ilustra a história de D. Pedro e Inês de Castro, jardim cercado de árvores gigantescas e fontes antigas, representação simbólica das lágrimas de Inês, derramadas quando de sua cruel execução no século XIV.
     Além disso, na Universidade de Coimbra, até mesmo os corredores são repletos de lembranças. Sua arquitetura, pintura, construções, tudo nos leva a refletir sobre o passado. Tantas histórias vividas e tantos caminhos cruzados pelos séculos, o que a torna ainda mais esplêndida.
      A cidade de Coimbra possibilita ainda hoje o desenvolvimento da consciência cultural e contribui indescritivelmente para aprimorar o aprendizado da cultura portuguesa. Toda esta tradição histórica de um Portugal intelectual está descrita nas palavras do escritor português do século XX Miguel Torga, em sua obra intitulada de Portugal: “Coimbra é uma linda cidade cheia de significação nacional. Bem talhada, vistosa, favoravelmente colocada entre Lisboa e o Porto...”. Torga ainda complementa que “... foi de Coimbra que saíram Camões, Garrett, Antero, Eça e outros.” No século XVI, Camões faz referência ao rio Mondego em sua obra mais clássica, Os Lusíadas, como os “... saudosos campos do Mondego”.
     Como não amar esta cidade? Coimbra oscila entre o passado e o presente, torna-se dupla, uma complementa a outra, o que a torna uma cidade querida e amada. Assim, em Portugal, é possível ver como os séculos se entrelaçam de forma encantadora. Este entrelaçamento pode ser encontrado no projeto de pesquisa Janela de Tomar: Matrizes culturais em narrativas portuguesas e brasileiras. O intuito do projeto é buscar essas matrizes nas obras entre o século XIX e a contemporaneidade, o que exige que o leitor passe a conhecer esses intertextos que, analisados, mostrarão a interligação das obras. Pode-se perceber que, assim como Portugal, o projeto entrecruza épocas, autores e ideias, nos proporcionando um grande retrato da Literatura e da Cultura.
    
     

sábado, 17 de novembro de 2012

Tradição e Talento Individual: a janela de Eliot

T.S ELIOT (1888-1965)


Por Jaciene Andrade

Quais os limites da individualidade do artista e até que ponto as forças da tradição agem sobre a sua obra? Essa indagação motiva o Projeto de Pesquisa Janela de Tomar a investigar a presença de elementos da tradição ocidental nas literaturas portuguesa e brasileira produzidas entre o século XIX e a contemporaneidade. O encadeamento das obras literárias segue uma lógica de recriações das matrizes culturais, ainda que nem sempre fiquem explicitadas no texto. 

No ensaio “Tradição e talento individual”, publicado em 1920, o crítico literário e poeta T. S. Eliot reflete sobre tais questões diante da tendência geral de se buscar no artista, como saudável, os elementos que o diferenciam de seus antecessores, a marca individual. Porém, segundo Eliot, pode acontecer de, exatamente nas passagens consideradas mais individuais, encontrarmos as vozes de outrora que continuam embasando os discursos do presente. Ou seja, o que fundamenta a teoria de Eliot – e embasa os rumos deste Projeto – é a afirmativa de que a tradição se infiltra no texto literário, mesmo nos espaços mais supostamente individuais.
Para o ensaísta, a tradição é sempre fruto de um esforço. O artista que empreende tal esforço consegue ser tradicional, o que significa ter a percepção da distância e proximidade do passado, reunindo sentimentos atemporais ao tempo em que vive. Por isso, o autor afirma não existir obra de arte desvinculada das relações de contraste e comparação com outras. Uma comparação que se exige não-harmônica, já que toda obra de arte também se define pela novidade. Por isso, a tradição vai muito além da repetição, ela é o desenvolvimento do sentido histórico, da consciência do passado.
Segundo Eliot, o poeta é aquele que bem desenvolveu essa consciência, compreendendo o passado como elemento que modifica o presente, pelo qual é orientado. Tendo uma personalidade, o poeta não a imprime em sua obra. A mente do artista catalisa emoções e sentimentos, possibilitando novas combinações que não estarão necessariamente presas às palavras, mas, disponíveis, sobrevoando o universo do texto. 
Separado o homem de sua mente criadora, a tradição, formada por uma mentalidade coletiva que se sobrepõe e se mistura à individual, dá vazão a diálogos com a ancestralidade, como ocorre no poema do próprio Eliot “The Waste Land”. Nele, é nítida a presença da tradição, já que o poema remete ao ato de escavar, trazendo à tona a memória da humanidade. The Waste Land é o poema da teoria eliotiana. Os fragmentos que escoram suas ruínas, parafraseando o poeta, mostram que o presente é feito com base em sucessivas recordações do passado. Uma tradição mais forte do que o artista.


Referências:
ELIOT, T. S. Tradição e talento individual. In: ______. Ensaios. Tradução: Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Art Editora, 1989.